Adolfo Lona fala sobre a necessidade de aumentar o consumo da bebida no Brasil, hoje de 1,8 litro per capita ao ano, além da importância de investir em campanhas publicitárias e muitos outros assuntos que rodeiam o cenário do vinho no Brasil.
Por: JOANA COLUSSI
Foto: Enólogo Adolfo Lona por Robinson Estrásulas / Agencia RBS.
Quando chegou ao Brasil na década de 1970, o enólogo argentino Adolfo Lona ouviu do presidente da empresa italiana Martini & Rossi, onde trabalhou por 31 anos, que os brasileiros beberiam muito espumante por ser um povo alegre. Passados 40 anos, a bebida borbulhante produzida no país responde por 80% das vendas internas – cenário bem diferente do consumo de vinhos finos tranquilos, dominado pelos importados na proporção superior a 80%.
Formado em Mendoza, uma das principais regiões produtoras da América do Sul, Lona acompanhou a evolução da vitivinicultura brasileira da importação de mudas de uvas da França e Itália às novas áreas abertas na Campanha e Fronteira nos anos 2000. Aos 71 anos, morando em Porto Alegre, o enólogo se dedica à produção própria na Serra – em parceria com 18 produtores gaúchos.
Com o reconhecimento em concursos de enologia e experiência adquirida no mercado, Lona fala sobre a necessidade de aumentar o consumo no país: hoje de 1,8 litro per capita ao ano. Para conquistar novos adeptos, defende a divulgação da bebida para mudar a visão dos consumidores brasileiros sobre o vinho nacional.
O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia pode aumentar a participação dos vinhos importados no Brasil?
O cenário pode piorar. Quase metade dos vinhos importados pelo Brasil são do Chile, que tem imagem forte em qualidade. Mas há exageros, pois muito produto entra aqui com uva de terceira linha. O primeiro que irá sofrer com o acordo será o Chile, porque vão entrar vinhos italianos e portugueses com menor preço. Enquanto o Brasil não ampliar o tamanho do mercado, continuaremos um tentando pegar o lugar do outro. Essa guerra com a União Europeia será sangrenta. E o que vai acontecer? Será uma disputa de preço? De qualidade? Não podemos evitá-la. Mas se aumentarmos o mercado, teremos espaço para todos.
E como o mercado brasileiro pode ser ampliado?
Com divulgação. O Brasil precisa arrumar recursos, seja via governo, por renúncia fiscal ou com colaboração das empresas exportadoras, que correspondem a mais de 80% dos vinhos finos no país. É preciso fazer uma grande, duradoura e consistente campanha publicitária para ampliar o consumo. Há um enorme território no país que não bebe nada. Hoje, o consumo per capita no Brasil é de 1,8 litro por ano, dos quais 0,7 litro é vinho fino, 0,15 litro espumante, sendo quase 1 litro comum (de mesa). A cultura do vinho deve chegar às famílias. Precisamos mostrar que é uma bebida benéfica à saúde. Temos de parar de complicar com regras e incorporar o vinho como hábito gastronômico dentro dos lares. Precisamos atrair novos adeptos.
É possível expandir o consumo com os preços atuais?
Sem dúvida. É uma tarefa de casa, onde os governos podem colaborar, especialmente o federal. Se temos um objetivo maior de preservar o setor vitivinícola brasileiro, de ampliar o mercado, onde todos irão se beneficiar, é preciso agir. Reduzindo os tributos, mais produtos serão vendidos, retornando mais impostos. E nós, produtores, teremos de fazer a tarefa de casa, oferecendo produtos mais competitivos.
Por que vinhos e espumantes nacionais têm trajetórias diferentes no país?
O consumo de espumantes é relativamente novo. Mundialmente, era uma bebida de ocasião, de aniversario, casamento, fim de ano. O consumo como hábito diário é recente. No Brasil, a mulher assumiu o espumante como sua bebida predileta. É só ir a bares ou restaurantes para ver grupos de amigas bebendo espumante. O desempenho do produto está relacionado também à menor concorrência, porque os estrangeiros estão interessados no mercado de vinhos (tranquilos). Enquanto isso, a bebida nacional ganhou a confiança dos consumidores. E isso derruba a tese de que o brasileiro é preconceituoso com o produto local, se fosse não beberia espumante.
A confiança nos espumantes tem a ver com qualidade?
Não, mas com a visão do consumidor. O brasileiro acha que o vinho nacional precisa ser caro para ser bom. E isso é um grande equívoco. Por exemplo, o vinho chardonnay que consumo no dia a dia custa R$ 24. As pessoas pensam: se é um vinho gaúcho e tem esse preço, não pode ser bom. Não bebem e compram um chileno por esse preço, com qualidade bem inferior. Por não ser algo introduzido na cultura, o consumo de vinho no Brasil é ainda exibicionista. Mas tudo isso faz parte de um mercado que está se criando.
Como vê a evolução da produção vitivinícola, com novas fronteiras sendo abertas?
Foi uma evolução importante para enriquecer a oferta nacional. Por exemplo, você ter vinhos em Minas Gerais, feitos por meio de uma inversão de podas porque o clima é diferente do nosso. Veja a Campanha e a Fronteira gaúcha, com novos empreendimentos. Tudo isso é fantástico, mas não é suficiente para ganhar a batalha no mercado. Isso porque a maioria do consumidor continua com a mesma visão. Há muito conhecimento da porteira para dentro. Não temos a competitividade que deveríamos ter, principalmente em razão de preço. Claro que as vinícolas precisam ter ícones, com valores acima de R$ 100. Mas isso como figura emblemática e não para competir. Sabemos que o forte do mercado gira em torno de R$ 30, R$ 40 a R$ 50 a garrafa.
E tem como reduzir preço?
Claro. O problema é que muitos acham que seu vinho é o melhor do mundo e por isso cobram mais caro que o vizinho. E isso não é problema, desde que seja voltado a nicho e com o objetivo de reforçar a imagem. Mas quem sustenta os negócios são os produtos mais acessíveis. Temos de confiar na teoria de que o consumidor de vinho é progressivo, ou seja, nunca volta para trás. Você pode começar bebendo vinho com açúcar. Depois passar para um seco. E então se aventurar em produtos mais estruturados. Confiando nessa progressão, e se somos capazes de produzir bebidas com qualidade a bom preço, teremos futuro.
Há espaço para cultivo de novas viníferas no RS?
Sem dúvida. Mas tendo o cuidado de não complicar a vida do consumidor. Se você oferece uma lista com 10 variedades você deixa as pessoas um pouco confusas. É interessante como novidade, renovação. Mas volto a insistir que o vinho competitivo precisa ser simples, fácil de entender. O consumidor que durante toda sua vida bebeu cerveja e começa a se interessar por vinho não pode receber quatro variedades de uvas tintas para entender. Precisamos ser realistas. Em frente à prateleira no supermercado, vemos pessoas indecisas olhando para os rótulos. E na maioria das vezes escolhem pelo preço, porque entre errar pagando caro e errar pagando barato, preferem errar pagando barato.
Como vê o futuro do mercado?
Se olharmos o cenário geral de vinhos, o futuro é fantástico. A questão é o produto nacional, que precisará fazer suas contas em casa. Os vinhos continuarão crescendo. Atrair novos consumidores é o grande desafio. As cervejas artesanais, por exemplo, conseguiram revolucionar o mercado. No momento em que você tem pessoas que migram da cerveja barata para a mais cara, você traz consumidores para um nível de preço em que eles podem optar pelo vinho. Temos um litoral maravilhoso, com gastronomia especial. É um casamento perfeito com espumante. Mas precisamos mostrar isso aos consumidores. E, para isso, o setor precisa se unir, sem disputas internas.
Fonte: A presente matéria foi postada originalmente no site:
https://gauchazh.clicrbs.com.br
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